Por água abaixo: quais os motivos para a falta d'água?
Falta de infraestrutura, ocupações irregulares, desperdício, furto de água... Entenda os verdadeiros motivos que causam as crises hídricas que, anualmente, afetam a vida dos moradores da Saída Norte e todo o Distrito Federal.

A população do Distrito Federal cresce duas vezes mais do que as outras unidades federativas do Brasil, recebendo cerca de 50 mil novos moradores a cada ano, segundo o IBGE. Em paralelo, durante cinco meses do ano, Brasília sofre com a falta de chuvas e reúne a maior parte dos seus recursos hídricos em dois grandes reservatórios, sendo que somente o Descoberto concentra 65% de toda a água e 34% do que é captado se perde no percurso de distribuição até as residências.
De acordo com o Instituto Trata Brasil, a cada 100 litros da água que são captados nos rios e córregos, cerca de 34 são perdidos ou não medidos pela Caesb. Isso ocorre em função de furtos nas redes de água, ligações clandestinas, erros na medição ou vazamentos na rede de distribuição e em reservatórios.
Até o ano de 2018, das 7.404 outorgas concedidas pela Adasa, cerca de 2.092 já estavam vencidas. Isso significa que pelo menos 30% dos pontos de captação de água no DF eram irregulares até 2018, aumentando ainda mais o percentual de perda dos reservatórios.
Segundo a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), não há risco algum de as reservas hídricas da capital se esgotarem. Durante 2019, os reservatórios operaram em 100% de sua capacidade, e especialistas orientam que, considerando o padrão das chuvas dos dois últimos anos, não deve ocorrer crise hídrica.
Diante desses dados, por que então o brasiliense ainda enfrenta racionamentos e falta de abastecimento de água em algumas regiões? A resposta é simples: Não há falta de água, mas sim falta de investimentos. É o que evidencia o levantamento promovido pelo Conselho de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), em 2018, ou seja, o consumo aumentou, mas não foram realizadas obras de infraestrutura na rede para atender às demandas da população.

O diagnóstico apontado pelo estudo indica o crescimento acelerado da população e a ocupação territorial desordenada e irregular como os principais fatores que colaboraram para a sobrecarga dos sistemas de abastecimento de água existentes. De 2015 a 2018, o DF sofreu uma das maiores crises hídricas de sua história.
O professor do Instituto de Geociências da Universidade de Brasília (UnB), Eloi Campos, explica que para evitar essas crises hídricas serão necessárias diversas ações e investimentos de curto e longo prazos.
“Precisamos fazer, por exemplo, a interligação de todos os sistemas de abastecimento, promover o desenvolvimento de novos mananciais, investimento em sistemas de recarga artificial dos aquíferos, para compensar as grandes áreas impermeabilizadas, individualizar hidrômetros em prédios residenciais, além de outras ações de educação e conscientização dos usuários”, destacou o professor.
Para Cleunice Batista, moradora do Taquari, que sofreu com os racionamentos de água na sua região em 2017 e 2018, o governo precisa estar atento às obras necessárias. “Foi preciso que chegássemos ao ponto de enfrentar a falta de água para que fizessem algo. Fora que as pessoas não mudam os hábitos e não fazem o uso consciente”, reclama a moradora.
E A SAÍDA NORTE?

Os racionamentos enfrentados na região norte do Distrito Federal ocorrem em função da baixa vazão dos córregos captados no período final da seca. É que a região é abastecida apenas pelo sistema Pipiripau e por pequenas captações, como as do córrego Paranoazinho e Mestre D’Armas, além de poços tubulares profundos utilizados principalmente nos condomínios.
A região não recebe o abastecimento do sistema integrado da Caesb, que inclui as captações do Descoberto e Santa Maria/Torto. De acordo com o órgão, estão previstos investimentos que devem promover a integração de todo o sistema hídrico do DF, minimizando ou até mesmo eliminando de vez os racionamentos.
Porém, para as regiões que dependem de abastecimento via poços artesianos, é necessário não só a outorga para a perfuração, como também o atendimento das condicionantes para sua instalação e uso, que são determinadas pela Lei Federal nº 9.433/1997.

A Lei prevê até mesmo uma cobrança pela captação de água nesses poços. Para o professor Eloi Campos, a cobrança tem que acontecer pois é essencial para conscientizar e prevenir o uso indevido da água. “A cobrança, pode ser um importante elemento na gestão, pois requer a medição dos volumes bombeados, o que pode ser cotejado com as vazões outorgadas. Também, é um elemento que amplia a consciência do consumidor, pois a cobrança pode ser escalonada - quanto maior o consumo, maior o preço”, frisou.
Já para o morador do condomínio Solar de Athenas, no Grande Colorado, Carlos Caetano, a gestão do uso dos poços é essencial para evitar a falta de água. “Pelo que vejo no meu condomínio, acredito que é preciso realizar uma gestão melhor dos poços e da manutenção das bombas. Aqui temos racionamento praticamente todos os dias, e a água só volta a noite”, contou.
A captação de água superficial e subterrânea deve passar pela análise dos técnicos da Adasa, observando a disponibilidade hídrica e a demanda pretendida. Esse controle busca garantir os usos múltiplos nas bacias hidrográficas e nos aquíferos do DF. A perfuração de poços sem a autorização constitui infração com penalidades que podem variar de R$ 400,00 a R$ 10.000,00.
NOVOS EMPREENDIMENTOS PRECISARÃO DE MAIS ÁGUA
Em paralelo à demanda por abastecimento de água já existente na Saída Norte do DF, novos empreendimentos imobiliários estão sendo desenvolvidos e devem abrigar um novo contingente populacional.
Um deles é o Sítio Vila Célia, que será construído ao lado do condomínio Vivendas Serranas, com entrada pela BR-020, e deve abrigar cerca de três mil pessoas. De acordo com responsáveis pelo projeto, os recursos hídricos utilizados pelos futuros moradores virão do excedente captado em uma nova estação de tratamento de água que será construída em Planaltina, financiada pela própria empreiteira, a Direcional Engenharia.
O outro projeto é a cidade Urbitá, de responsabilidade da Urbanizadora Paranoazinho. O empreendimento deve abrigar, nos próximos cinco anos, cerca de 11 mil pessoas e outras 100 mil pessoas ao longo de 30 anos. Segundo a empresa, a outorga emitida pela Adasa prevê a instalação de 13 poços artesianos que devem abastecer os primeiros moradores. Contudo, de acordo com a equipe técnica da Urbanizadora, serão utilizados apenas 7,2% da capacidade da reserva hídrica de onde virá a água. É o que explica a bióloga Mirella Glajchman.
“O sistema de abastecimento por meio de poços é provisório, até a chegada da rede da Caesb. Todo esse volume de água, não afeta o atual abastecimento de Sobradinho e nem interfere nos regimes dos rios e córregos da região. O sistema de abastecimento de água da Urbitá é totalmente independente”.
Preocupação para uns, perspectiva de desenvolvimento de outros. Para a moradora Cleunice do Taquari, os novos empreendimentos trazem muito mais benefícios do que prejuízos à população. “Junto com eles vem o progresso. Ninguém vai desenvolver um empreendimento sem água. Agora eles têm um motivo para ter uma bacia própria na região, e acredito que vão prestar atenção nisso”, comentou.
INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA

Com o intuito de ser referência na gestão da água, o Governo enumerou ações que serão postas em prática. O plano prevê a proteção das nascentes e bacias hidrográficas, monitoramento do consumo de água na zona urbana e rural, investimentos maciços em instrumentos de gestão de recursos hídricos e a continuidade das obras de interligação dos sistemas Torto-Santa Maria e Sobradinho-Planaltina.
No Taquari, serão implantadas subadutoras, elevatórias e adutoras Booster, o que deve aumentar a transferência de água entre esses sistemas de 40 para cerca de 115 L/s.
Por fim, a Caesb deve realizar uma série de obras de setorização do sistema de distribuição de água tratada, o que, segundo a companhia, deve diminuir em 10% a perda de água por vazamentos na rede.
Para o engenheiro e especialista em projetos hídricos Davi Navarro, o DF tem boas perspectivas de eliminar de vez o fantasma do racionamento. “O sistema hídrico do Distrito Federal está em constante melhoria em decorrência dos reforços que vão ampliar o potencial de abastecimento de água. Esse trabalho está sendo feito para não termos mais riscos de crise”, explicou.